LENDO MACHADO COLETIVAMENTE
O conto começa despertando nossa curiosidade para lê-lo. “Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há alguns anos, contava eu com dezessete, ela trinta.” Intrigados, nos perguntamos: que encontro foi esse e porque permanece na memória depois de tanto tempo?
A história vai sendo apresentada com sutileza. Narrada em primeira pessoa por Nogueira, jovem residente no interior, que está na capital para estudos e hospeda-se com o casal Menezes e Conceição. São personagens coadjuvantes, a mãe de Conceição e duas escravas.
Inusitada revelação já aparece no primeiro parágrafo, o adultério de Menezes. Tema recorrente em Machado, o adultério, desta vez, é masculino, explicito e perdoado. Para os padrões da época, a tolerância da esposa era esperada, o narrador, entretanto é dúbio no seu julgamento. Inicialmente a chama de “santa”, depois execra sua passividade, sua resignação. Questiona se, incapaz de odiar, ela também não seria de amar. Compreenderemos mais tarde essa posição.
O ponto central do conto vem em seguida, a conversa entre Nogueira e Conceição na noite de Natal. Ele aguarda a missa do Galo lendo, e ela, com o marido ausente, chega na sala, com as “chinelinhas da alcova e o roupão branco, amarrado na cintura”, descrita como “tendo um ar de visão romântica”.
A conversa entre eles prossegue pela noite a fora, com temas diversificados: comentário sobre romances lidos, a diferença entre as missas no interior e na capital, sonhos, devoções. Para não acordar as pessoas da casa cochicham, a proximidade dos rostos, cria um clima de intimidade entre o casal.
A narrativa é entremeada pelas observações de Nogueira. A sutileza dos detalhes descritos sugere o encantamento do jovem com a interlocutora.
‘‘...Ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim, de vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los”.
“ Magra embora, tinha no seu que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo, essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite.”
“Não estando abotoadas as mangas, caíram naturalmente, e eu via-lhe metade dos braços , muito claros e menos magros do que se poderiam supor.”
“Uma dessas vezes, creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembro que os tornou a fechar os olhos, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me parecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Umas das que ainda tenho fresca é que em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima.”
“Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja.”
O momento de encantamento é quebrado pelas batidas na janela e a voz que bradava: “Missa do Galo! Missa do galo!”. A figura feminina prossegue na imaginação do jovem durante a cerimônia.
No dia seguinte, a decepção. Nogueira relata a missa do dia anterior à mesa e percebe a falta de interesse da mulher, que permanece indiferente a ele nos dias que seguem. Em férias, o jovem retorna a sua cidade. A narrativa é complementada com o relato da morte repentina no marido de Conceição, seu novo casamento com um escrevente do marido.
Mestre nas possibilidades o escritor deixa as dúvidas e as suposições para a imaginação do leitor. Não vou explicitar as minhas, convido você a lê-lo. E, se quer outro exemplo de sutileza e sedução entre um jovem e uma mulher madura, prossiga lendo Machado em Uns braços.
9 comentários:
É semore um prazer ler Machado nem que seja fragmentos, por isso já separei os anexos que deixou.
Grande postagem.
Obrigado
Minha cabecinha DDA não está em condições de ler ou opinar sobre os contos de Machado hoje. Gosto de lê-lo, desde adolescente me delicio com os contos. Mas tem muito tempo que não gasto tempo com ele...
Tucha, é engraçado, leio este e outros contos de Machado desde os tempos de faculdade (1992-1997), por vezes, retomo-o nas aulas e cada um tem o seu olhar sobre o conto. Na verdade, chamou a minha atenção foi a sua objetividade, a clareza - "sem floreios" desnecessário. Adorei "ver" com outros olhos. Obrigada :)
Machado é sempre instigante... Traição, sedução, sensualidade, ambiguidade... É sempre um prazer ler e reler!!
Tucha, muito obrigada pela participação. Começamos a leitura coletiva em grande estilo. :-)
Abraço
Brilhante resenha a sua. Já fui ler os adendos que colocou, muito bem elaborada. Machado me encanta muito.
Espero que a minha esteja a contento também.
Acabei de postar a minha e convido-a para dar seu comentário.
Sou sua companheira de Leitura coletiva e adorei seu espaço e me atrevi a acompnha-la.
Beijos e que seu fim de semana seja repleto de luz e muita paz!
Rô!
Tucha,
Começamos a colher os frutos da Leitura Coletiva, e em grande estilo, com este conto de Machado. Fiquei instigado a relê-lo, pois já faz um tempo que o li, e lendo o post percebi certas nuances que não havia percebido na minha leitura, o que é um dos objetivos da Leitura Coletiva: agregarmos experiências.
Adorei o post, abraços.
Oi Tucha,
Bom ler Machado, né? Dia desses tive que fazer um trabalho pra minha pós sobre o conto A Cartomante, conhece, né?
Bjos,
Paulinha
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