MÚSICA AO LONGE
De certa forma o passado não morre, ele permanece arquivado, dentro de nós e pode ser evocado e recuperado, ao menos na lembrança. Assim o meu passado se fez presente, minha infância retornou junto com uma cantiga de ninar. Ela é a minha lembrança musical mais remota. A voz do meu pai cantando. “Se essa rua se essa rua fosse minha, eu mandava / eu mandava ladrilhar / com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante / para o meu para o meu amor passar”. A sensação dói tão forte que cheguei a sentir o calor do colo do meu pai. Na minha imaginação infantil, acreditava que o meu pai gostaria mesmo de calçar com pedrinhas brilhantes rua que moramos. Afinal era difícil caminhar por lá nos dias de chuva, sem pedras de calçamento. Mas a rua nunca foi ladrilhada, nem calçada enquanto moravamos lá.
O bom de morar nesta rua era a proximidade de onde moravam meus avôs. Certa vez, quando comprou um novo cesto de roupa, meu pai me colocou dentro e foi até a casa dos avôs, e lá com todos os tios reunidos saí do cesto sorridente, todos fizeram cara de surpresa e eu me senti especial. Amava a alegria daquela casa grande com tios e tias engraçados e barulhentos.
A lembrança seguinte é da voz da minha mãe cantando uma música triste. Era a história de uma garota levada da breca, a Júlia sapeca, com quem a menina gostava de brincar, apesar dos pais e avós não gostarem da amizade, e, lá um dia a amiga Júlia fica doente e morre de repente. Na minha imaginação, a história havia acontecido mesmo com a minha mãe, e ficava com pena dela, achando devia ser muito triste perder uma amiga.
Outra grande recordação era um vestido cuja saia era bordada com uma canção. Adorava aquele vestido que fazia as pessoas cantarolarem, me sentia especial quando o vestia. A canção era singela.
Sabiá lá na gaiola
fez um buraquinho
Voou, voou, voou, voou
E a menina que gostava
Tanto do bichinho
Chorou, chorou, chorou, chorou
Sabiá fugiu pro terreiro
Foi cantar no abacateiro
E a menina vive a chamar
Vem cá sabiá, vem cá
A menina diz soluçando
Sabiá, estou te esperando
Sabiá responde de lá
Não chores que eu vou voltar
Agora é a minha própria voz que chega aos ouvidos, junto com outras crianças da rua. Eram noites alegres, mães sentadas em cadeiras na porta e nós em roda, de mãos dadas, cantando: Atirei o pau no gato, Capelinha de Melão, Ciranda cirandinha, Meu limão meu limoeiro...
Lembro que tínhamos um rádio, mas não recordo das músicas tocadas na infância, acho que eram tantas as brincadeiras na rua que não parava para ouvi-las. Quando a situação econômica da família melhorou chegou uma vitrola (quem lembra o que é isso?), na minha memória vem uma música quase teatral, era Chão de Estrelas que era uma das favoritas do meu pai.
Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações
Tempos depois, os Mutantes fizeram uma interpretação totalmente inovadora desta música. Lembro que me diverti com o ar de “chocado” do meu pai ao ouvi-la. Era uma grande brincadeira com este clássico da MPB. Descobri a versão no You Tube, vejam.
Esta amorosidade dos meus pais, a presença deles no cotidiano da minha vida fizeram de mim o que sou. Que bom pude acordar os ouvidos, com música; acordar o tato, com o carinho deles; acordar a criatividade, com brincadeiras de rua; acordar a visão, com o mar, as amendoeiras e os hibiscos da minha cidade; acordar para os sabores, com as comidas baianas da minha avó Alice, e os doces da minha avó Alzira; acordar para as palavras com os livros infantis que meu pai sempre buscou comprar.
A criança que mora em mim tem os sentidos acordados pra sensibilidade e para a alegria.
O bom de morar nesta rua era a proximidade de onde moravam meus avôs. Certa vez, quando comprou um novo cesto de roupa, meu pai me colocou dentro e foi até a casa dos avôs, e lá com todos os tios reunidos saí do cesto sorridente, todos fizeram cara de surpresa e eu me senti especial. Amava a alegria daquela casa grande com tios e tias engraçados e barulhentos.
A lembrança seguinte é da voz da minha mãe cantando uma música triste. Era a história de uma garota levada da breca, a Júlia sapeca, com quem a menina gostava de brincar, apesar dos pais e avós não gostarem da amizade, e, lá um dia a amiga Júlia fica doente e morre de repente. Na minha imaginação, a história havia acontecido mesmo com a minha mãe, e ficava com pena dela, achando devia ser muito triste perder uma amiga.
Outra grande recordação era um vestido cuja saia era bordada com uma canção. Adorava aquele vestido que fazia as pessoas cantarolarem, me sentia especial quando o vestia. A canção era singela.
Sabiá lá na gaiola
fez um buraquinho
Voou, voou, voou, voou
E a menina que gostava
Tanto do bichinho
Chorou, chorou, chorou, chorou
Sabiá fugiu pro terreiro
Foi cantar no abacateiro
E a menina vive a chamar
Vem cá sabiá, vem cá
A menina diz soluçando
Sabiá, estou te esperando
Sabiá responde de lá
Não chores que eu vou voltar
Agora é a minha própria voz que chega aos ouvidos, junto com outras crianças da rua. Eram noites alegres, mães sentadas em cadeiras na porta e nós em roda, de mãos dadas, cantando: Atirei o pau no gato, Capelinha de Melão, Ciranda cirandinha, Meu limão meu limoeiro...
Lembro que tínhamos um rádio, mas não recordo das músicas tocadas na infância, acho que eram tantas as brincadeiras na rua que não parava para ouvi-las. Quando a situação econômica da família melhorou chegou uma vitrola (quem lembra o que é isso?), na minha memória vem uma música quase teatral, era Chão de Estrelas que era uma das favoritas do meu pai.
Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações
Tempos depois, os Mutantes fizeram uma interpretação totalmente inovadora desta música. Lembro que me diverti com o ar de “chocado” do meu pai ao ouvi-la. Era uma grande brincadeira com este clássico da MPB. Descobri a versão no You Tube, vejam.
Esta amorosidade dos meus pais, a presença deles no cotidiano da minha vida fizeram de mim o que sou. Que bom pude acordar os ouvidos, com música; acordar o tato, com o carinho deles; acordar a criatividade, com brincadeiras de rua; acordar a visão, com o mar, as amendoeiras e os hibiscos da minha cidade; acordar para os sabores, com as comidas baianas da minha avó Alice, e os doces da minha avó Alzira; acordar para as palavras com os livros infantis que meu pai sempre buscou comprar.
A criança que mora em mim tem os sentidos acordados pra sensibilidade e para a alegria.
1 comentários:
Viajei também no passado com suas lembranças.
A Júlia Sapeca também habita minhas memórias, onde eu morria de pena dela... kkkkkkkk E outras canções de ninar um tanto tristes que minha mãe cantava (fugiram da lembrança agora, grrrrrrrrrr)também me davam um aperto no coração.
Nos álbuns lá em casa tem essa foto sua!
Bjooo
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